domingo, 28 de outubro de 2012

O Funcionamento e a Aplicação da “Lei Ficha Limpa” (LC 135/2010)

 O Projeto de Lei Ficha Limpa, concebida por uma iniciativa popular em 2008, tinha como intuito alterar a denominada “Lei das Inelegibilidades”, impedindo, assim, que certos indivíduos participassem das eleições como candidatos. Tal projeto foi devidamente votado pela Câmara e Senado e, finalmente, sancionado pelo Presidente da República, no dia 04 de Junho de 2010.
Apesar de estar em vigor há mais de dois anos, muitos desconhecem o que de fato bane aqueles que objetivam se candidatar. Não basta apenas a existência de um processo de qualquer natureza contra o indivíduo que pretende ser candidato. Há diversas situações que impossibilitam a candidatura. A primeira delas aborda aqueles que tiverem sido condenados criminalmente, não sendo necessário o transito em julgado, isto é, basta apenas que haja uma condenação proferida por um tribunal pelos seguintes crimes: (i) contra a economia popular, fé pública, administração pública e patrimônio público; (ii) contra o patrimônio privado, sistema financeiro, mercado de capitais; (iii) contra o meio ambiente e saúde pública; (iv) eleitorais, que a lei concede pena privativa de liberdade; (v), de abuso de autoridade; (vi) de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; (vii) de tráfico de entorpecentes e drogas, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; (viii) de redução à condição análoga de escravo; (ix) contra a vida e a dignidade sexual; (x) praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
Por fim, há mais onze situações que impedem a candidatura de um indivíduo nas eleições. Ou seja, (i) nos casos de rejeição de contas por irregularidades; (ii) renúncia depois de protocolada uma denúncia; (iii) quebra de decoro parlamentar; (iv) Chefes do Executivo cassados; (v) aposentados compulsoriamente; (vi) cassados por compra de votos; (vii) praticantes de abusos de poder político, econômico ou dos meios de comunicação; (viii) expulsos por conselhos profissionais; (ix) improbidade administrativa; (x) servidores demitidos e (xi) realizadores de doações ilegais.
Nota-se, portanto, o enorme avanço que tal lei representa ao país em busca de uma democracia mais fiel aos seus princípios. Porém, para que haja a sua efetiva atuação, deve-se contar não somente com o apoio dos Tribunais Eleitorais, mas também com o povo e seu voto consciente, devendo este buscar conhecer seu candidato, assim como sua metodologia e passado, sob um ponto de vista crítico.
Cumpre ressaltar, resumidamente, a aplicação desta Lei Ficha Limpa. Antes das eleições, devem os partidos políticos e coligações apresentarem nos cartórios eleitorais o requerimento de seus candidatos ao Juiz Eleitoral (1ª Instância). Porém, nota-se que não basta apenas a apresentação deste requerimento deve-se, também, respeitar todos os critérios estabelecidos pela Lei da Ficha Limpa, pois caso contrário o candidato poderá ter seu registro indeferido pelo Juiz Eleitoral, ao qual foi encaminhado o requerimento. Quando indeferido, poderá o indivíduo que pretende se candidatar entrar com Recurso ao Tribunal Regional Eleitoral (2ª Instancia), a fim de tentar reverter a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau.
Destaca-se que, com o requerimento deverão ser apresentados diversos documentos, a fim de obter o deferimento do registro à candidatura, tais como: cópia da ata da convenção partidária, autorização da filiação ao partido para incluir seu nome como candidato, declaração de bens, cópia do título eleitoral, certidão de quitação eleitoral, certidões criminais da Justiça (Eleitoral, Federal e Estadual), fotografia e, em alguns casos, até a proposta defendida. A ausência de qualquer um destes documentos essenciais poderá levar ao indeferimento do registro de candidatura do indivíduo.
Observa-se que qualquer cidadão pode denunciar um candidato “ficha-suja”, porém, o Ministério Público Eleitoral, por meio de seus promotores eleitorais, é quem tem autorização legal para solicitar à Justiça Eleitoral a condenação daqueles candidatos que transgridem a Lei da Ficha Limpa. O Ministério é um órgão imparcial e desvinculado de qualquer partido político. Poderá, também, qualquer cidadão, comunicar irregularidades do candidato “ficha-suja” ao Juiz Eleitoral. Porém, nota-se que o prazo para impugnar a candidatura é de apenas cinco dias após a publicação do pedido de registro.
Desta forma, resta evidente que qualquer indivíduo pode denunciar um candidato “ficha-suja”, porém, conforme já foi dito, cabe ao Ministério Público Eleitoral decidir se há necessidade de se encaminhar à Justiça Eleitoral o indeferimento do registro de candidatura do indivíduo. Se tal Ministério decidir positivamente quanto à denúncia, o caso será analisado, em primeira instancia pela Justiça Eleitoral e, se houver eventuais Recursos contra a impugnação, o caso passará aos Tribunais Regionais Eleitorais.

 

domingo, 14 de outubro de 2012

O EXAME DE DNA E A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA NO DIREITO BRASILEIRO. ANÁLISE DA DECISÃO DO STF NO RE 363.889.


Muito se discute nos tribunais brasileiros acerca da possibilidade de flexibilização da coisa julgada – sentenças transitadas soberanamente em julgado – especialmente em se tratando de ações em que se busca descobrir a paternidade de determinada pessoa.

É bastante recorrente encontrar-se demandas julgadas improcedentes no passado, em razão da inexistência do exame de DNA à época, que são repropostas buscando a realização do referido exame. Tal repropositura da ação, contudo, viola, a princípio, a coisa julgada, pois já existiu uma sentença de improcedência, que, como regra, se torna imutável após seu transito em julgado.

A questão ganhou ainda mais relevância com uma recente decisão do STF. Cuida-se de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do recurso extraordinário de número 363.889 DF, relatado pelo ministro Dias Toffoli, assim ementado:

EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos.

A matéria tratada no bojo do referido recurso, como se vê, é de extrema relevância para o estudo da coisa julgada no direito brasileiro e a possibilidade de flexibilização dos julgados já transitados.

No caso em tela, a discussão foi lastreada na possibilidade ou não de repropositura de ação de investigação de paternidade, não obstante a primeira ação, julgada extinta por ausência de provas, já tivesse transitado soberanamente em julgado.

A análise do Supremo, portanto, envolveu o cotejo entre a força constitucional da coisa julgada material, e o chamado “direito fundamental à busca da identidade genética do ser”, verificando-se desde logo, que o posicionamento do Tribunal, neste caso, foi no sentido de flexibilizar a coisa julgada, autorizando a repropositura da ação de investigação de paternidade, inobstante a tríplice identidade com demanda anterior já transitada em julgado por insuficiência de provas.

Para análise do referido aresto, é de fundamental importância, primeiramente, diferenciar a espécie de coisa julgada flexibilizada pelo tribunal.

Com efeito, a doutrina costuma diferenciar a coisa julgada formal da coisa julgada material.

A primeira, segundo Humberto Theodoro Junior[1], decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida. Seu efeito é endoprocessual, nao impedindo que o objeto do julgamento seja novamente discutido em outro processo. Pode existir sozinha, sem a coisa julgada material, como ocorre nas sentenças meramente terminativas.

Ja a coisa julgada material segundo Luiz Rodrigues Wambier[2] é a coisa julgada por excelência. Somente ocorre em decisões de mérito, proferidas mediante cognição exauriente, irradiando efeitos dentro e fora do processo em que proferida, impedindo o ajuizamento de nova lide sobre os mesmos fatos.

Nesse sentido, em todo processo ocorrerá ao final coisa julgada formal ou preclusão máxima, mas somente nos processos em que houve julgamento de mérito é que ocorrera coisa julgada material.

No caso em análise, o fato do julgamento da ação ter sido lastreado em insuficiência de provas, não afasta a coisa julgada material. A decisão que julgou a ação improcedente neste caso é tipicamente de mérito, e, portanto, transita normalmente em julgado.

Nesse ponto é interessante observar que no bojo do recurso extraordinário interposto no caso em análise, sustentou o recorrente (Ministério Público do DF) que não haveria violação da coisa julgada material pois a sentença anterior não apreciou o mérito do conflito, já que não foi afirmada nem rejeitada a paternidade. Não lhe alcançaria, assim, a proteção constitucional da coisa julgada material, que, no campo das relações de parentesco, não poderia se sobrepor à verdade real.

Razão, contudo, não assiste ao recorrente, pois como dito, no caso de julgamento improcedente por insuficiência de provas há sim julgamento de mérito e formação de coisa julgada material. Como bem sustentou o Ministro Luiz Fux no julgamento do RE em análise:

“Todas as hipóteses em que o Tribunal decide alegando que a parte não se desincumbiu de provar o fato constitutivo do seu direito ou o fato distintivo, modificativo ou impeditivo, essa é uma sentença de mérito. Não existe, no Direito brasileiro, sentença de carência de prova, só a da ação popular e alguns outros diplomas especiais. Então essa decisão fez coisa julgada material, e vai se tratar exatamente da relativização da coisa julgada material com esta especificidade: ausência de meios para subvencionar a prova”

Corroborando este entendimento, é taxativo o ensinamento de Nelson Nery Junior[3], senão vejamos:

“Falta ou deficiência de provas. A coisa julgada ocorre inexoravelmente no processo, tenham ou não sido produzidas provas. Não é possível a repropositura de ação, onde se deu a coisa julgada material, invocando-se falta, deficiência, ou novas provas”

E em assim sendo, transcorrido o prazo para ajuizamento da ação rescisória, verifica-se a formação da coisa soberanamente julgada, expressamente protegida pelo artigo 5º inciso XXXVI da Constituição Federal e artigo 467 do Código de Processo Civil, que assim dispõem:

CF Art. 5º XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Art. 467 CPC- Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

Com a formação da coisa julgada material, a sentença irradia seus efeitos definitivamente no mundo fático e jurídico, lembrando-se que a coisa julgada encontra seu limite no dispositivo da sentença. O dispositivo é a única parte da sentença que efetivamente transita em julgado. O código de processo civil prevê em seu artigo 469, nesse sentido, que não fazem coisa julgada

i.    Os motivos, ainda que relevantes

ii.   A verdade dos fatos

iii.  A apreciação de questão prejudicial decidida incidentemente.

Isso significa que esses elementos, ainda que decididos em sentença transitada em julgado, ainda podem ser discutidos em outros processos.

No caso em análise, contudo, o dispositivo da sentença efetivamente transitou em julgado - improcedência da ação – e, para repropositura da nova ação de investigação de paternidade, necessariamente precisaria ser violado.

Ora, de um lado, tem-se a proteção à coisa julgada e a segurança jurídica. De outro, tem-se a proteção à dignidade da pessoa humana e o direito que tem esta de conhecer suas origens genéticas.

Em relação à proteção da coisa julgada, interessante é o pensamento trazido por Nelson Nery Junior em seu Código de Processo Civil Comentado[4], ao declarar que “a segurança jurídica trazida pela coisa julgada material é manifestação do Estado Democrático de Direito (CF 1º, Caput). Entre o justo absoluto, utópico, e o justo possível, realizável, o sistema constitucional brasileiro, a exemplo do que ocorre na maioria dos sistemas democráticos ocidentais, optou pelo segundo (justo possível), que também se consubstancia na segurança jurídica da coisa julgada material”.

Já os argumentos para defesa da tese contrária – flexibilização da coisa julgada, in casu, também podem ser extraídos da doutrina de Nelson Nery Junior, que, ao analisar a flexibilização da coisa julgada em caso de ações de investigação de paternidade, julgadas improcedentes por insuficiência de provas, ensina que “as principais alegações desta tendência (flexibilização) são as seguintes:

a)    A sentença deve ser justa; se injusta não faz coisa julgada

b)    A sentença deve ser dada secundum eventum probationis. Descoberta nova técnica probatória, pode-se repropor a mesma ação porque a sentença de mérito anterior não teria sido acobertada pela coisa julgada.

c)    A coisa julgada é regulada por lei ordinária (CPC 467) e pode sofrer alterações por incidência de preceitos constitucionais e de outras leis ordinárias.

d)    A coisa julgada não pode se sobrepor ao princípio da supremacia da constituição.

Candido Rangel Dinamarco, defendendo a flexibilização da coisa julgada, assim de manifesta:

“Mesmo as sentenças de mérito só ficam imunizadas pela autoridade do julgado quando forem dotadas de uma imperatividade possível: não merecem tal imunidade (a) aquelas que em seu decisório enunciem resultados materialmente impossíveis ou (b) as que, por colidirem com valores de elevada relevância ética, humana, social ou política, também amparados constitucionalmente, sejam portadores de uma impossibilidade jurídico-constitucional[5]

Maria Berenice Dias também se manifesta positivamente quanto à possibilidade de flexibilização:

“São situações como estas que levam a questionar qual o interesse prevalente. De um lado há o interesse público na composição dos conflitos, que impõe a consagração da coisa julgada. De outro, está o direito fundamental à identidade, um dos atributos da personalidade. No conflito entre esses dois princípios, o instituto da coisa julgada não pode se sobrepor ao direito de livre acesso á justiça para o reconhecimento do estado de filiação. Não há infração à coisa julgada e sim adequação a uma nova realidade que, se preexistente na ocasião, teria  determinado outra composição da lide[6]

Vale observar que a jurisprudência pátria tem acolhido a flexibilização da coisa julgada em casos semelhantes com relativa tranquilidade, conforme se verifica dos arestos abaixo colacionados, extraídos do site do Tribunal de Justiça de São Paulo[7]

“Investigação de paternidade 'post mortem', cumulada com petição de herança. Questão de estado possibilita a propositura de nova ação.  Demanda anterior fora julgada improcedente  por insuficiência de provas, uma vez que o então réu, em quatro oportunidades, se  recusara a comparecer ao IMESC - ocasião  em que o ordenamento jurídico não continha  texto legal similar ao do artigo 232 do Código Civil atual Prova oral demonstrou o contato da autora com o pretenso pai na época, destacando, inclusive, a identidade fisionômica de ambos. Pseudoindividualismo dos réus, que expressamente se recusaram ao fornecimento de material genético, é insuficiente para obstar a pretensão do polo ativo. Sucumbência observou o necessário. Apelo desprovido. (TJ/SP Apelação Civel 666.047.4/6-00.)

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - Investigação de paternidade - Demanda anterior julgada improcedente, por ausência de provas, embora tenha reconhecido, expressamente, que a prova pericial realizada na época não havia excluído a paternidade — Propositura de nova ação — Decisão que indeferiu o pedido de reconhecimento da coisa julgada - Inconformismo - Relativização da coisa julgada em matéria de paternidade, posto ser direito personalíssimo, indisponível e imprescritível – Decisão mantida — Negado provimento ao recurso" (Agravo de Instrumento nº 578.433.4/1, da 9ª Câmara de Direito Privado, relator o Desembargador Viviani Nicolau, j. 30/9/08).”

Com se vê o Tribunal de Justiça de São Paulo possui entendimento no sentido de que o direito a conhecer suas origens genéticas é “personalíssimo, indisponível e imprescritível” e, por isso, deve se sobrepor até mesmo à força da coisa julgada material.

O STJ, na mesma esteira do TJ/SP e do STF, também já se manifestou sobre o tema, senão vejamos:

 

"A propositura de nova ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos, não viola a coisa julgada se, por ocasião do ajuizamento da primeira investigatória - cujo pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas -, o exame pelo método DNA não era disponível tampouco havia notoriedade a seu respeito. - A não exclusão expressa da paternidade do investigado na primitiva ação investigatória, ante a precariedade da prova e a insuficiência de indícios para a caracterização tanto da paternidade como da sua negativa, além da indisponibilidade, à época, de exame pericial com índices de probabilidade altamente confiáveis, impõem a viabilidade de nova incursão das partes perante o Poder Judiciário para que seja tangível efetivamente o acesso à Justiça." (REsp 826698/MS, Ministra NanVy Andrighi, Terceira Turma, DJe 23/05/2008)

 

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça no caso acima lastreou-se no princípio do acesso à justiça, no sentido de que, se a época do julgamento da primeira ação não era acessível o exame de DNA, deve-se autorizar o ajuizamento de nova ação para realização do referido exame. Nesse sentido, para o STJ, o efetivo acesso à justiça deve sobrepor-se à garantia da coisa julgada. 

Como se vê, seja por um ou por outro argumento, é possível concluir que os tribunais pátrios tem dado prevalência à relativização da coisa julgada em ações como a analisada no presente trabalho, dando maior importância axiológica à busca da origem genética, entendida como direito indisponível, do que à coisa julgada material.

E de fato nos parece que, na hipótese de julgamento improcedente, por ausência de provas, sobretudo se na época do julgamento da primeira ação não existia ou não era acessível o exame de DNA, é justo e juridicamente possível a flexibilização da coisa julgada, admitindo-se o processamento de nova ação, na qual será feito o referido exame.

Se, por outro lado, a ação foi julgada improcedente com lastro nas provas produzidas à época, ainda que o resultado seja injusto, não se deve admitir a flexibilização da coisa julgada, sob pena de evidente prejuízo à segurança jurídica, elemento essencial à manutenção do Estado Constitucional e Democrático de Direito.

Por fim, anote-se a advertência que, com muita propriedade, traz Nelson Nery Junior:

“O processo civil é instrumento de realização do regime democrático e dos direitos e garantias fundamentais, razão pela qual reclama o comprometimento do processualista com esses preceitos fundamentais. Sem democracia e sem Estado Democrático de Direito o processo não pode garantir a proteção Desconsiderar a coisa julgada é eufemismo para esconder-se a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer a democracia que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo[8]

Deste modo, é certo que a flexibilização da coisa julgada deve ser medida excepcionalíssima, somente sendo admitida em casos específicos, onde esteja, efetivamente em risco, direito de valor axiológico superior à coisa julgada, como é caso do direito à filiação e descoberta da origem genética.

Do ponto de vista processual, aliado à análise do valor axiológico dos direitos envolvidos, somente deve-se admitir a flexibilização em ações julgadas improcedentes por insuficiência de provas, trazendo-se, por analogia das ações coletivas, o julgamento “secundum eventum probationis”, afastando-se a flexibilização caso a primeira ação tenha sido julgada improcedente com base nas provas existentes à época nos autos.

 

 

BIBLIOGRAFIA

DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 8º Ed. Ver. e atual. São Paulo: RT. 2011, pg.406

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil6.ed  rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009

NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10 ed. rev. e atual. até outubro de 2007.  São Paulo: RT. 2007

THEODORO JUNIOR. Curso de Direito Processual Civil, VOL I – 53ª Ed. São Paulo. Forens: 2012

WAMBIER. Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil, Vol 1. São Paulo. RT: 2012




 

 



[1] THEODORO JUNIOR. Curso de Direito Processual Civil, VOL I – 53ª Ed. São Paulo. Forens: 2012
[2] WAMBIER. Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil, Vol 1. São Paulo. RT: 2012
[3] NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10 ed. rev. e atual. até outubro de 2007.  São Paulo: RT. 2007, pg.467
[4]              NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10 ed. rev. e atual. até outubro de 2007.  São Paulo: RT. 2007. Pg.468
[5] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil6.ed  rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. v. III
[6] DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 8º Ed. Ver. e atual. São Paulo: RT. 2011, pg.406
[7] www.tj.sp.gov.br, consulta em 15.06.2012
[8] NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10 ed. rev. e atual. até outubro de 2007.  São Paulo: RT. 2007. Pg.686

domingo, 23 de setembro de 2012

A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE APLICÁVEL AO PROCESSO DO TRABALHO

 
Ressalta-se que o conceito da prescrição é considerado unitário ä luz da doutrina e jurisprudência atual, qual seja tratar-se de instituto de ordem pública destinado a proporcionar a segurança das relações jurídicas visando à manutenção da paz social. Evidencia-se que a declaração da prescrição intercorrente no processo de execução trabalhista sofre forte resistência por respeitável corrente doutrinária e jurisprudencial, conforme se elucida o entendimento dado pela Súmula nº 114 do TST no qual dispõe a impossibilidade da prescrição intercorrente. Não obstante, em sentido contrário já havia a Súmula nº 327 do STF. Dessa forma, as respectivas alterações repercutiram de forma relevante no âmbito do Direito do Trabalho, estabelecendo na legislação trabalhista, uma discussão sobre a aplicabilidade ou não, no Processo do Trabalho, desses procedimentos, considerando-se o disposto, respectivamente, nos artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho.
 
  1. INTRODUÇÃO

 

Vislumbra-se que o Direito é visto como um instrumento de controle social e o principal responsável pela harmonia da vida em sociedade e para tanto faz uso de uma série de institutos capazes de o tornarem seguro, afastando principalmente as incertezas jurídicas. Dentre esses institutos ressalta-se o instituto da prescrição.

 

O conceito da prescrição sempre foi matéria de vasta discussão doutrinária, conforme apontam as diversas definições dos juristas abaixo colacionados.

 

Inicialmente destaca-se a compreensão do doutrinador Marcus Cláudio Acquaviva[1] (2004, p.1064), que preleciona com maestria acerca do instituto da prescrição:

 

Do latim praescriptio, onis, derivado do supino de praescribere, literalmente uma epígrafe ou título preliminar, introdução, preâmbulo, sendo empregado em Direito como uma argüição preliminar, uma objeção a ser levantada pelo defensor. Meio de se libertar, juridicamente, de uma prestação, em face da inércia do titular de um Direito. O decurso de um prazo é, pois, de importância fundamental, não apenas para o devedor, mas também para o credor. Com efeito, a prescrição pressupõe a inércia do credor em reivindicar seu direito, e o decurso do prazo para exercê-lo. Para que ocorra a prescrição, é preciso que o titular de um direito não o exerça dentro de um prazo preestabelecido; se este fluir sem que o credor pratique os atos necessários para exercer tal direito, a lei obstará, a partir daí, sua fruição. O fundamento da prescrição da pretensão do credor reside, para alguns autores, na negligência do titular de um direito; sua inércia seria presunção de seu desinteresse. Existe, aliás, um brocardo latino muito sugestivo a respeito: Dormientibus non succurrit jus. Para outros, contudo, o verdadeiro fundamento da prescrição estaria na própria ordem social, na segurança das relações jurídicas. O interesse do titular de um direito, que ele foi o primeiro a desprezar, não pode prevalecer contra o interesse mais forte da paz social.

Por sua vez, o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira[2] (2001, p.437) elucida:

 

O instituto da prescrição tem seu fundamento na segurança jurídica. Através dele o legislador buscou evitar uma perpétua incerteza jurídica, e resguardar o interesse de ordem pública em torno da existência e eficácia dos direitos.

 

Por seu turno, Pontes de Miranda[3] (1955, p.100) conceitua o fenômeno jurídico como, "a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação”.

 

Vislumbra-se, por sua vez, que a forma clássica da definição é de que a prescrição trata-se da perda do direito de ação. Diante das várias formas de compreensão do instituto e de sua definição, o Novo Código Civil, pondo um termo final às inúmeras discussões, em seu Artigo 189, definiu-a como perda da pretensão ao direito em razão da inércia do titular no decorrer de um lapso temporal definido em lei.

 

Em razão do instituto da prescrição obter o seu reconhecimento no mundo processual, observa-se que estamos diante de um importante mecanismo de suporte ao princípio da segurança jurídica que norteia o direito material e processual, pois existe a necessidade de reconhecer a prescrição quando as ações processuais estão paralisadas no Judiciário, por inércia do autor, após o decurso temporal fixado em lei.

 

A esse fato especificamente denomina-se prescrição intercorrente, que é aquela que ocorre no decorrer da ação, conforme será apontada mais adiante.

 

Nestes termos, ressalta-se que a prescrição está intimamente relacionada ao princípio da segurança jurídica, bem como a harmonização da sociedade, uma vez que é através dela que é possível obter a economia processual e estabilidade jurídico-social, gerando ônus e encargos desnecessários à máquina judiciária, conforme estabelecido no rol dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF/88), acrescentado pela Emenda n.º 45: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

 

Os princípios da celeridade e a duração do processo devem ser aplicados com observação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assegurando que o processo não se estenda além do prazo razoável, nem tampouco venha comprometer a plena defesa e o contraditório.

 

Deste modo, evidencia-se claramente que a prescrição atende não só ao interesse individual, como também e principalmente ao interesse social, surgindo como uma espécie de punição à inércia do titular do direito.

 

A utilidade da prescrição encontra-se em consonância com a equidade e com a moral, decorrendo diretamente do princípio da segurança jurídica e proporcionando estabilidade nas relações sociais, colocando fim a litígios pelo decurso do tempo em razão da inércia do titular do direito, sendo, portanto, sua existência absolutamente indispensável em qualquer sociedade organizada.

 

De modo conclusivo, importante salientar que a prescrição visa salvaguardar a harmonia social e a segurança jurídica, que se completamente ameaçadas diante da indefinida possibilidade de cobrança de uma dívida caracterizada como ad aeternum, impondo ao devedor uma condição de eterna submissão e intranquilidade.

 

Em observância a análise acima proposta, o doutrinador Amauri Mascaro[4] (2008, p.41) afirma que com relação ao direito do trabalho é possível a obtenção do seguinte raciocínio jurídico: “o direito do trabalho tende à realização de um valor: a justiça social”.

 

Em razão de todo o contexto averiguado, não há dúvidas de que a aplicação da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho é um desses meios processuais de se combater o alongamento desnecessário dos processos, bem como, combater a morosidade do judiciário, uma vez que o sistema judiciário ficará disponível para apreciar rapidamente os novos feitos.

2. MOMENTO PROCESSUAL PARA ARGUIÇÃO DA PRESCRIÇÃO

Frisa-se que não há como iniciar o estudo da prescrição sem enfatizar a noção de tempo (lapso temporal). Nesse sentido Orlando Gomes[5] lecionou sobre o assunto nos seguintes termos:

 

Dentre os acontecimentos naturais ordinários, o decurso do tempo é dos que maior influência exercem nas relações jurídicas. A lei atribui-lhe efeitos, seja isoladamente, seja em concurso com outros fatores".

 

Com relação ao tema em questão, professa Caio Mário que: "O tempo domina o homem, na vida biológica, na vida privada, na vida social e nas relações civis. Atua nos seus direitos".

 

Além disso, dispõe o doutrinador Silvio Rodrigues que "existe um interesse da sociedade em atribuir judicidade às situações que se prolongaram no tempo”. De fato, dentro do instituto da prescrição, o personagem principal é o tempo.

 

Diante desse contexto e entendimentos, importante frisar que as relações humanas têm caráter temporário e desse modo é necessário que se resolvam certas situações de fato, que não podem ter perpetuidade permanentes, e que, portanto, não devem gravar gerações futuras.

 

Desse modo, sob análise do período temporal que exigem as situações, é de grande importância a utilização da prescrição, uma vez que permite a manutenção de um ambiente de segurança jurídica.

Em outras palavras, a prescrição tem por objetivo impedir uma situação em que os devedores fiquem aprisionados à incerteza de serem cobrados por uma dívida muito antiga, de que não se recordam mais.

Observa-se que antes da entrada em vigor da Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que modificou o Artigo 219, § 5º do Código de Processo Civil para determinar que o magistrado pronuncie de ofício a prescrição, muito se discutia a respeito da legitimidade e momento processual adequado para arguição da prescrição.

Porém através da referida alteração legal, não há dúvidas de que o juiz deve declarar de ofício a prescrição, e, isso, deve o magistrado fazer quando entra em contato com os autos pela primeira vez, já para evitar o prolongamento desnecessário do processo, em observância com o princípio da economia processual e da razoável duração do processo.

Com relação à legitimidade para a arguição da prescrição, a mesma é sempre da parte que pretende fazer uso da mesma, ou seja aproveitá-la, podendo ser feito em qualquer grau de jurisdição (com elucida o Art. 193 do CC), com a ressalva de caso o magistrado não a pronunciar antes, vez que ao juiz cabe declaração de ofício da mesma (Art. 219, § 5º do CPC).

Tratando-se da matéria trabalhista, e com observância analógica aos preceitos acima citados, é possível observar que é cabível a arguição do instituto da prescrição de oficio, sob o entendimento de Ney Stany Morais Maranhão[6]:

“A proclamação ex officio do cutelo prescricional, autorizada pelo artigo 219, § 5º, do CPC, com a redação conferida pela Lei n. 11.290/2006, constitui medida que se propõe a concretizar o princípio da celeridade processual, estampado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.”

Importante frisar que a aplicação subsidiária do processo civil ao processo do trabalho, deve ser efetuada com o devido respaldo e observados os limites estipulados pela Consolidação das Leis do Trabalho e pela doutrina, quais sejam: a existência de omissão na legislação trabalhista e a compatibilidade com os princípios processuais trabalhistas.

O doutrinador Sergio Pinto Martins entende que a referida norma é perfeitamente aplicável ao processo do trabalho através da técnica da subsidiariedade, prevista nos artigos 8º e 769 da CLT.

Outrossim, vislumbra-se que o momento considerado como mais adequado para se fazer a arguição da prescrição, é no primeiro momento que a parte reclamante/reclamada tem para se pronunciar no feito: se na fase cognitiva, o momento ideal seria na contestação; se na fase executiva, tão logo haja decorrido o prazo legal da prescrição intercorrente.

3. DEFINIÇÃO DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO E SEUS REQUISITOS

 

Ressalta-se que a prescrição é um instituto secular, que difunde seus efeitos nos mais variados seguimentos da ciência jurídica. E, assim, comporta diversas acepções.

 

No saber de Antônio Álvares da Silva, a prescrição é o fato jurídico pelo qual, em virtude do transcurso do tempo, o credor perde o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação e, nos direitos reais, pelas mesmas razões, o proprietário perde, em favor do possuidor, o domínio da coisa (SILVA, 1990, p. 23).

 

Já o doutrinador Sérgio Pinto Martins, afirma que prescrição é a perda da exigibilidade do direito, em razão da falta do seu exercício dentro de um determinado período (MARTINS, 2.007, p. 676).

 

Sob a análise do Direito Processual do Trabalho, Carlos Henrique Bezerra Leite, trata a prescrição como exemplo de fato extintivo, pois, quando acolhida, extingue o processo com resolução de mérito (LEITE, 2.007, p. 499).

 

Sob o âmbito do direito civil, alega César Fiuza que a prescrição extingue a responsabilidade do devedor. Assim, transcorrido o prazo prescricional, o devedor terá a faculdade de pagar se quiser.

Também sob a esfera civil, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, tratam que prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei, pelo que a obrigação civil converte-se em obrigação natural (GAGLIANO & PAMPLONA FILHO, 2.002, p. 476).

 

Para Rosemiro Pereira Leal, para quem a prescrição e a decadência, como institutos jurídicos, configuram-se pela perda do prazo para o exercício de direitos.

 

Absolutamente clássica a doutrina de Câmara Leal, para quem a prescrição é a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo.

 

Apesar dos vários conceitos aplicáveis a prescrição, é de suma relevância observar que sua existência decorre do suporte fático. Assim, para a formação desta é indispensável reunir-se seus supostos, ou seja, é absolutamente impossível concluir que existe prescrição sem a pretensão pré-existente.

 

De acordo com esse pensamento, temos como pressupostos a existência da prescrição: a pretensão propriamente dita; a prescritibilidade desta e o efeito do tempo.

 

Observa-se, nesse sentido, que a prescrição sintetiza a convivência possível entre dois valores fundamentais do direito: o ideal de justiça e a segurança jurídica.

 

Enquanto decorre o prazo prescricional, a supremacia é do valor justiça, pois se assegura ao prejudicado o exercício da pretensão para a busca de sua satisfação.

 

Porém, se o demandado, por inércia, conformação ou descaso deixar vencer o prazo para corrigir a injustiça verificada, a prioridade desloca-se para o valor da segurança jurídica.

Conforme apresentado a prescrição reclama pelo menos dois requisitos: a inércia do titular, ante a violação de um seu direito e o decurso do tempo fixado em lei.

Sob a análise da prescrição intercorrente, há alguns conceitos que visam esclarecer acerca do instituto, como o doutrinador José Manoel Arruda Alvim que diz:

A chamada prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desaparecimento da proteção ativa, no curso do processo, ao possível direito material postulado, expressado na pretensão deduzida; quer dizer, é aquela que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por seguimento temporal superior àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese. (ALVIM, 2006, p.34, apud EÇA, 2008, p.42). Finalmente, diante da pesquisa levantada a efeito, podemos concluir que a prescrição intercorrente é instituto de direito processual, que importa na ineficácia do exercício da pretensão em decorrência da inatividade do demandante em efetivar atos processuais de sua alçada exclusiva, por prazo superior ao que lhe foi consagrado para deduzir a pretensão em juízo. (EÇA, 2008, p. 43)

 

Outro conceito interessante extraído da obra de Alan Martins é o seguinte:

 

Na consagrada e pacífica visão jurisprudencial a “prescrição intercorrente se consuma na hipótese em que a parte, devendo realizar ato indispensável à continuação do processo, deixa de fazê-lo, deixando transcorrer o lapso prescricional. (MARTINS, 2005, p.103)

 

Ressalta-se também a conceituação do renomado doutrinador Vilson Rodrigues Alves:

 

Em se dando o exercício da pretensão e da ação de direito material em juízo, por meio da ação de direito processual, interrompe-se a fluência do prazo material de exercício daquela se ocorre a citação do legitimado passivo, com retroeficácia á data da propositura se feita “no prazo e na forma da lei processual” (art. 202, I, do Código Civil), ou com eficácia a partir da data de sua efetivação, se feita em observância das regras jurídicas do art. 219 do Código de Processo Civil (cp. Art. 219, § 4°).

A partir do momento em que se interrompeu o prazo prescricional, novo prazo começa de fluir, por inteiro. Esse novo prazo de prescrição é o prazo da denominada prescrição intercorrente, ou prescrição superveniente.(ALVES, 2008, p.693)

 

Analisando a prescrição intercorrente, verifica-se a existência de alguns requisitos, tais como:

- processo em curso com citação válida;

- a inércia do autor, culminando em paralisação processual;

- decurso do tempo fixado em lei.

O requisito de citação válida, no caso do Direito do Trabalho, notificação válida, é necessário para configurar a prescrição intercorrente, pois sem citação válida não estará devidamente formada a relação processual, sem a qual não se pode falar em processo devidamente regular, sendo, portanto, caso de nulidade absoluta.

Já o requisito do decurso do tempo fixado em lei é premissa necessária para haver aplicação da prescrição intercorrente, incorrendo em paralisação processual e cuja paralisação venha a ocorrer por causa e conta da parte a quem pretende beneficiar.

Desta forma, se o titular do direito pleiteado em juízo, se conserva inativo, deixando de protegê-lo pela ação, e cooperando para a permanência do desequilíbrio, ao Estado compete alterar essa situação, de forma a restabelecer o equilíbrio jurídico, por uma providência que corrija a inércia do titular do direito.

No caso de preenchidos esses requisitos, resta plenamente configurada a prescrição intercorrente que deve ser imposta imediatamente, de ofício, se necessário, pelo juiz condutor do processo (art. 219, § 5º do CPC), para evitar que o feito se alongue inutilmente.

4. INTERPRETAÇÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE COMO MEDIDA DE SEGURANÇA JURÍDICA E DIVERGÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Analisando a prescrição intercorrente, nota-se que esta é pautada pela necessidade de otimizar os recursos judiciários, evitando-se o seu dispêndio em processos de considerados extensos.

 

Sob a observância do ponto de vista moral, o instituto da prescrição deve ser questionável, uma vez que se alguém deve a outrem, este deve cumprir para com a sua obrigação, sob pena de enriquecimento sem causa.

 

Por sua vez, o credor negligente, que deixou transcorrer longo prazo sem manejar o remédio jurídico de que possuía, contaria com o injusto privilégio de poder exercitá-lo a qualquer tempo.

 

Por seu turno, o instituto da prescrição na esfera laboral é tão importante que foi devidamente amparo na nossa constituição federal:

 

Art. 7.º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

 

O princípio da segurança jurídica é um elemento constitutivo do Estado de Direito, que implica dizer que quem assina um contrato ou ajuíza uma ação pode ter uma justa expectativa a respeito das suas consequências jurídicas.

 

O princípio da segurança jurídica visa estimular o juiz, na medida do possível, a não surpreender as relações jurídicas com decisões extravagantes, isto é, que ignorem a tradição jurídica do país representada por seus costumes, princípios, regras, precedentes jurisprudenciais e doutrina pacífica.

 

Com relação à divergência de posicionamentos entre Tribunais Superiores, consubstanciados na Súmula nº 114 do TST e Súmula nº 327 do STF vem discussões assíduas entre os operadores do Direito, uma vez que o TST consolidou o entendimento de que a prescrição intercorrente não encontraria guarida no processo trabalhista, editando a Súmula nº 114:

 

É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente.

 

Não obstante, o entendimento jurisprudencial dominante no Judiciário trabalhista vai de encontro ao posicionamento do STF, que, desde 1963, consolidou seu entendimento favorável à compatibilidade da prescrição intercorrente com o processo trabalhista na Súmula nº 327:

 

O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente.


Com relação ao tema supra citado, Chaïm Perelman[7] elucida que o Direito é uma ciência humana e não exata como a Matemática. Nesta, as proposições se colocam de tal forma que, sobre um mesmo ponto, não pode haver divergência, sem que uma das correntes defenda uma proposição falsa, irracional. Já sob a observância do campo jurídico, duas pessoas podem discordar sobre o mesmo tema, sendo ambas as opiniões racionais e respeitáveis. Em suas nobres palavras:

 

Na perspectiva do pluralismo, duas decisões diferentes, sobre o mesmo objeto, podem ser ambas razoáveis, enquanto expressão de um ponto de vista coerente e filosoficamente fundamentado.

 

Com relação a aplicação ou não da Súmula 114 do TST, a Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, na data de 02.04.2009, que a inércia das partes pode acarretar sim a aplicação da prescrição intercorrente nas ações trabalhistas.

 

Entendeu ainda que, a Súmula 114 do TST, que estabelece a inexistência de prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, está restrita aos casos em que o andamento do processo depende do magistrado, e não quando o processo é paralisado por omissão ou descaso da própria parte interessada.

 

Com esse entendimento, já é possível observar que alguns Tribunais Regionais do Trabalho, a exemplo do que vem ocorrendo nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão, vêm admitindo a aplicação da prescrição intercorrente na esfera trabalhista, quando a paralisação do processo decorre de omissão ou descaso dos interessados.

 

De modo a corroborar a aplicação da prescrição intercorrente na justiça do trabalho, evidencia-se abaixo alguns julgados:

 

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE JUSTIÇA DO TRABALHO - EXECUÇÃO FISCAL - APLICABILIDADE Consoante se extrai da leitura do artigo 40, § 4º da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) afigura-se plenamente viável a declaração da prescrição intercorrente, desde que ouvida previamente a Fazenda Pública. Consequentemente, inaplicável a Súmula 114/TST, mesmo porque não se trata de dissídio entre empregado e empregador. (RO 826002820095070007 CE 0082600-2820095070007, Relator: PAULO RÉGIS MACHADO BOTELHO, Julgamento: 17/01/2011, Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação: 18/02/2011)

 

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - JUSTIÇA DO TRABALHO - APLICABILIDADE - LEI 8.630/80 - ART. 40, § - OITIVA DA FAZENDA PÚBLICA - NECESSIDADE.

O artigo 40, parágrafo 4º da Lei nº 8630/80 assevera que o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. Observado o procedimento legal não há que se falar em nulidade da sentença por ofensa ao princípio do devido processo legal. Agravo de petição conhecido e não provido.( Processo: 2136200500116006 MA 02136-2005-001-16-00-6, Relator(a): JOSÉ EVANDRO DE SOUZA Julgamento: 27/04/2011, Publicação: 04/05/2011)

 

AGRAVO DE PETIÇÃO - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - JUSTIÇA DO TRABALHO - APLICABILIDADE.

Não obstante o TST ter editado o Enunciado nº 114 considerando inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente, não há como se afastar o referido instituto em situações especialíssimas, como na hipótese em que a situação fática aponta para o próprio advogado do reclamante/exeqüente a responsabilização pela paralisação do processo por mais de cinco anos. LEI 8.630/80 - ART. 40, § 4º - OUVIDA DA FAZENDA PÚBLICA - NECESSIDADE. Tal dispositivo assevera que o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. Ora, é flagrante a intenção do legislador neste ponto, qual seja, ouvir a Fazenda Pública antes do arquivamento definitivo do processo de execução, a fim de que a mesma possa se manifestar, por ser a parte diretamente interessada pelo deslinde da execução, e levantar questões acerca de eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional etc. Agravo de petição conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de agravo de petição, oriundos da 4ª Vara do Trabalho de São Luís/MA, em que figuram como partes UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) (agravante) e THOMAZ INSTALAÇÃES E MONTAGENS LTDA. (MARCELO CHAVES ARAÚJO) (agravado), acordam os Desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo e, no mérito, dar-lhe provimento, nos termos deste voto.( Processo: 255200600416004 MA 00255-2006-004-16-00-4

Relator(a): JOSÉ EVANDRO DE SOUZA, Julgamento: 02/07/2008, Publicação: 12/08/2008)

 

EXECUÇÃO TRABALHISTA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. CABIMENTO. É cabível, de forma excepcional, a aplicação do instituto da prescrição intercorrente no Processo do Trabalho, por força do § 1º do art. 884 da CLT c/c Súmula n. 327 do Supremo Tribunal Federal, quando o impulso processual depender exclusivamente da parte exeqüente ou, mesmo quando este não tenha culpa, reste configurada a hipótese do § 4º do art. 40 da Lei n. 6.830/80, porém o prazo prescricional intercorrente trabalhista é de cinco anos, conforme entendimento deste Tribunal e a teor do art. , XXIX da Constituição da República. (ÓRGÃO JULGADOR: 1ª TURMA , ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO – RO, RELATOR: JUIZ CONVOCADO SHIKOU SADAHIRO)

 

Diante de todo o exposto, não é isolado o entendimento do quanto pode ser considerado danoso a suspensão do processo sine die, tanto para o executado quanto para a estabilidade do ordenamento jurídico no que tange a proporcionar segurança jurídica e paz social.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. CONCLUSÃO

O direito moderno segue uma tendência sempre na busca pelo aprimoramento e nunca almejando o retrocesso social, de modo que, no atual momento contemporâneo e de evolução diária, o sistema jurídico não mais comporta ações eternas e muito menos incertezas nas relações jurídicas.

Sob este aspecto, imperioso salientar que é preciso que o legislador concentre seus esforços e aperfeiçoe os mecanismos legais, sob pena de se impor à sociedade graves injustiças devido à aplicação de institutos notadamente antigos e defasados.

Como exemplo da necessidade de constante atualização do sistema jurisdicional, ressalta-se que as pendências jurídicas não devem e nem podem prolongar-se no tempo, uma vez que caso isto ocorra será imediatamente instaurada na ordem social a instabilidade jurídica.

Com base na seguinte orientação, mostra-se amplamente cabível no ordenamento brasileiro laboral o uso do instituto da prescrição intercorrente, porque inexiste vedação legal e por haver a Súmula nº 114 do STF orientando nesse sentido, além de ser um instrumento de suporte ao princípio da segurança jurídica e servir para tornar certas as relações jurídicas.

E outro não pode ser o entendimento sob pena de se ter o processo uma duração sem fim, o que não é interessante para sociedade, em razão de ver-se privada da segurança jurídica, harmonia e paz social, e, nem para o judiciário que fica grande quantidade de processos.



[1] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 12ª ed. ampl. rev. e atual. São Paulo: Editora Jurídico Brasileira, 2004.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
[3] PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, tomo VI. 1955.
[4] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
[5] Gomes, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pág. 420.
 
[6] MARANHÃO, Ney Stany Morais. Prescrição "ex officio" e processo do trabalho.
[7] PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pág. 357.