domingo, 15 de abril de 2012

A incorporadora pode atrasar a entrega do imóvel com fundamento na falta de mão de obra?


O mercado imobiliário, apesar do seu pequeno esfriamento, ainda continua movimentando a economia do país. Depois do casamento religioso, a compra do imóvel próprio é o segundo ato da vida civil, segundo o Ibedec-GO, mais importante na vida do brasileiro.
Contudo, observamos que muitos adquirentes de imóveis estão sofrendo com o atraso na entrega da obra, sendo que muitos deles já receberam a famosa carta da incorporadora se desculpando pelo descumprimento contratual em virtude da falta de mão de obra que atinge o setor da construção civil.
Não obstante, o consumidor precisa saber que o fundamento acima exposto pela incorporadora/construtora (ambas respondem solidariamente pelo adimplemento do contrato) não é plausível, haja vista que a incorporadora não pode transferir ao consumidor um risco que é seu e que faz parte do seu business empresarial.
O prazo contratual de carência na entrega da obra, normalmente fixado em 180 dias pelas construtoras, só pode ser acionado desde que haja relevante motivo (caso fortuito ou força maior), o que não é o caso na falta de mão de obra, uma vez que esse fato já é previamente calculado pela incorporadora, que não tem nenhuma surpresa com esse evento a ponto de causar um desequilíbrio contratual para justificar um atraso de 6 meses na conclusão das obras.
Vale mencionar, ainda, que o prazo de carência estipulado pela incorporadora já é bastante controverso, tanto é que a maioria dos julgados vem entendendo que referida cláusula é nula, pois foi imposta unilateralmente pela construtora, de modo que o consumidor não pode modificá-la (típico contrato de adesão), muito menos criar regras de carência a seu favor, relativas ao atraso no pagamento de seus boletos de cobrança, o que caracteriza uma nítida disparidade de força contratual que deve ser rechaçada pelo Poder Judiciário.
As incorporadoras insistem em utilizar o argumento da falta de mão de obra uma vez que, de acordo com as estatísticas, somente 16,7% dos proprietários em tais situações ingressam com ação de indenização, argumentando que não estão dispostos a arcar com as custas judiciais, honorários de advogados, a obrigação de comparecer em audiências e aguardar uma decisão final do Poder Judiciário.
Diante deste comportamento dos jurisdicionados, as incorporadoras preferem administrar seu passivo apostando na inércia dos consumidores em ingressarem com ações judiciais – o custo benefício “atraso na entrega do imóvel” e “distribuição de ação judicial pelos adquirentes” ainda é vantajoso para as construtoras.
Deste modo, só os consumidores podem reverter esse quadro favorável às incorporadoras, através do ajuizamento de ações indenizatórias, desfazendo de seus medos e receios de que uma ação irá retardar ainda mais o recebimento das chaves do imóvel, ou dificultar a entrega da documentação por parte da construtora, quando, na verdade, essa postura ativa dos consumidores tem um resultado completamente oposto: pressiona as construtoras a entregarem as chaves e inibi que as mesmas pratiquem deliberadamente essas condutas lesivas aos adquirentes.

Victor Lourenzon
Advogado no Escritório Battaglia e Kipman Advogados
Tel 11 5093-6859
Endereço: Rua Funchal 573 cj 52


Sobre a Anencefalia – Decisão recente do STF – O que dizer?


Nesta semana a nossa geração teve a oportunidade de acompanhar o que alguns ministros do STF denominaram de o “julgamento mais importante de toda a história da corte”.
Questão polêmica, revestida de viés estritamente moral e de cunho religioso, que há oito anos aguardava manifestação de nossa Suprema Corte, foi nesta semana apreciada. O Supremo Tribunal Federal através de 8 votos a 2, se manifestou favorável à interrupção da gravidez de feto anencéfalo, tornando senso comum no Brasil o direito da mulher de interromper a gravidez nestes casos, dando início ao que Rodrigo Haidar, editor da revista Consultor Jurídico, convencionou chamar de “uma nova era para a condição feminina no Brasil”.
De fato, a matéria em debate suscita dúvidas e discussões já que, no senso comum, pouco se sabe sobre a anencefalia e pouco ainda se estabeleceu sobre como se dará na prática a realização da interrupção da gravidez nestes casos, o que de fato gera certa insegurança jurídica.
 Em linhas gerais, podemos acompanhar, dentre os debates realizados na seara médica que, a anencefalia consiste na malformação rara do tubo neural acontecida entre o 16° e o 26° dia de gestação, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo (parte do sistema nervoso encerrado no crânio e que compreende cérebro, cerebelo, mesocéfalo e bolbo raquidiano) e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural durante a formação embrionária, o que em outras palavras, significa dizer uma patologia letal, que atribui aos bebês com anencefalia, expectativa de vida muito curta, nos casos em que esta possa ainda ser vislumbrada.
E foi pensando nas consequências desta definição e prestigiando a condição humana e social da mulher, que o Supremo Tribunal Federal, através de seus ministros, decidiu que os médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez, não cometem qualquer espécie de crime, bastando para tal interrupção, o diagnóstico seguro de anencefália do feto.
Levando em conta as considerações acima e sem exprimir qualquer opinião e ou Juízo de valor sobre o tema, penso que não devemos olhar de forma tão ríspida tal decisão, já que não se tratou de hipótese de descriminalização do crime de aborto, que continua ressalvado para à proteção da vida em nosso ordenamento jurídico, e sim, de uma forma de garantir a dignidade humana da mulher e sua liberdade de escolha nos casos em que a sua saúde física, mental, psicológica, emocional e moral possam estar ameaçadas.
Na condição de mulher, mãe e advogada me pego pensando neste assunto, e é extremamente difícil nos colocarmos nesta situação, imaginar o que se passaria em nossos corações em tais momentos. Trata-se de algo que vai além das questões jurídicas, religiosas e morais envolvidas, e que passa pela razão da existência humana de cada um de nós, sendo já no mínimo reconfortante sabermos que nestas situações teremos o nosso livre arbítrio preservado e o amparo jurídico necessário para tomar a decisão que melhor nos tocar a alma.       
 Maria Tereza Souza Cidral Kocsis Vitangelo
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