É certo que ao constituir
uma sociedade limitada, poucos empresários preocupam-se de fato com o
regramento relativo ao falecimento de um ou mais sócios, omissão que, muitas
vezes, acaba criando inúmeros conflitos entre os sócios supérstites e os
herdeiros do sócio falecido.
Inicialmente é importante
distinguir entre sociedade de pessoas e sociedade de capital, pois as
consequências da morte de um sócio são bastante distintas entre uma e outra
empresa.
A sociedade de pessoas é
aquela em que a affectio societatis é
de fundamental importância para continuidade do negócio desenvolvido pela
empresa. É aquela sociedade na qual “os sócios tem direito de vetar o ingresso
de estranho no quadro associativo”[1]
simplesmente porque não desejam tê-lo como sócio.
Já as sociedades de
capital são aquelas “em relação às quais vige o princípio da livre
circulabilidade da participação societária”[2], não
gozando os sócios da prerrogativa de impedir a entrada de novos sócios em
substituição ao sócio falecido.
Vale aqui lembrar que as
sociedades limitadas podem adotar qualquer uma das formas acima previstas,
bastando especificar em seu contrato social se os sócios possuem ou não a
prerrogativa de barrar a entrada de novos sócios.
Ressalte-se, contudo, que
algumas sociedade são obrigatoriamente de pessoas, como é o caso da sociedade
de advogados, por força do artigo 16 da Lei 8.906/94, enquanto outras
obrigatoriamente são de capital, como é o caso das sociedades anônimas (Artigo
36 da Lei 6.404/76)
Feita esta diferenciação, observa-se que a
matéria referente à morte de um dos sócios vem regulada no artigo 1.028 do
Código Civil Brasileiro, que dispõe:
“Art. 1.028. No caso
de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato
dispuser diferentemente;
II - se os sócios
remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com
os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.”
Primeiramente consigne-se
que, inobstante esteja tal disposição arrolada no Capítulo I do Subtítulo II,
Título II do Código Civil, que trata das sociedades simples, suas disposições
são aplicáveis às sociedades limitadas por força do artigo 1.053 do mesmo
diploma legal.
A regra estabelecida pelo Código Civil é
nitidamente dispositiva, na medida em que entrega aos sócios a possibilidade de
alterar a regra geral prevista no caput, qual seja a liquidação das quotas do
sócio falecido.
Não havendo, contudo,
disposição em sentido contrário e falecendo um dos sócios procede-se segundo a
primeira parte do artigo 1.028.
Isto significa dizer que,
com o falecimento de um dos sócios, deverá ocorrer a liquidação de suas quotas
sociais, conforme procedimento previsto no artigo 1.031, assim redigido:
Art.
1.031. Nos casos em que a
sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada
pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição
contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data
da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente
redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
§ 2º A quota liquidada
será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo
acordo, ou estipulação contratual em contrário.
Pela regra geral,
portanto, ocorrendo o falecimento de um dos sócios, realiza-se balanço especial
da empresa para apuração do valor de suas quotas sociais, pagando aos herdeiros
do falecido o valor apurado.
Com a liquidação deverá
ocorrer também a correspondente redução do capital social, salvo se os demais
sócios suprirem o valor das quotas liquidadas, nos termos do parágrafo único do
artigo 1.031.
A jurisprudência do
Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou sobre o assunto em recente
acórdão do Des. Vito Guglielmi, no qual se entendeu possível a dissolução
parcial da sociedade, com liquidação das quotas do sócio falecido e pagamento
do saldo aos seus herdeiros. O acórdão foi assim ementado:
“(...)
SOCIEDADE COMERCIAL. LIMITADA. DISSOLUÇÃO.
ADMISSIBILIDADE. INSUBSISTÊNCIA DA 'AFFECTIO SOCIETATIS' APÓS A MORTE DE SÓCIO
QUE RESTOU INCONTROVERSA. HIPÓTESE, CONTUDO, EM QUE O PRÓPRIO CONTRATO SOCIAL
DA EMPRESA ESTIPULA A CONTINUIDADE DAS ATIVIDADES APÓS A MORTE DE SÓCIO, A
ENSEJAR A DISSOLUÇÃO MERAMENTE PARCIAL. APURAÇÃO DOS HAVERES E PAGAMENTOS QUE
DEVEM SE DAR NA FORMA ESTABELECIDA NO PRÓPRIO CONTRATO SOCIAL (CLÁUSULA 10a).
AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (TJ/SP – Apelação nº
9062110-14.2002.8.26.0000. rel.Vito Guglielmi. j.04.08.2011)
Há, contudo, duas outras
possibilidades albergadas pelo artigo1.028, que podem alterar a solução padrão
para morte de sócio.
Conforme inciso I do
artigo 1.028, é lícito aos sócios estipularem no contrato social regras
diversas da prevista no caput do mencionado dispositivo, estabelecendo, por
exemplo, que poderão os herdeiros assumir as quotas do sócio falecido,
ingressando na sociedade, desde que haja anuência dos demais sócios (salvo nas
sociedades de capital, onde tal anuência é dispensada).
Nesta hipótese, falecendo
um dos sócios e concluído seu inventário, poderão seus herdeiros assumir sua
posição societária, passando a integrar os quadros da empresa na qualidade
direta de sócios.
Outra hipótese também
prevista em lei é o acordo entre os herdeiros e os sócios remanescentes. Neste
caso como bem acentua Fabio Ulhoa Coelho, “nem a cláusula contratual
dissolutória poderá sobrepor-se à vontade dos interessados (sucessores e sócios
sobreviventes) e ao princípio da permanência da empresa[3].
Destarte, o acordo de
vontades entre sócios e herdeiros, desde que presentes os requisitos dos
negócios jurídicos, sempre deverá prevalecer, ainda que ao arrepio de eventual
disposição contratual.
Em suma, o regramento
sucessório dos sócios quanto às suas quotas sociais é matéria de extrema
relevância, da qual deve o contrato social constitutivo cuidar com o máximo de
cuidado e atenção, sob pena de gerar futuros problemas entre sócios supérstites
e herdeiros do falecido, colocando em risco, muitas vezes, a continuidade da
empresa.
Dr. Paulo André Pedrosa
Sócio do escritório B&K localizado na Vila Olimpia
[1]
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial. 15ed. Ver. E atual. São
Paulo: saraiva, 2004. Pg122
[2]
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial. 15ed. Ver. E atual. São
Paulo: saraiva, 2004. Pg122
[3]
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial. 15ed. Ver. E atual. São
Paulo: saraiva, 2004. Pg176
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