domingo, 5 de agosto de 2012

Breve Estudo Sobre os Principios Júridicos

Definição, Natureza Jurídica - Distinção entre normas, princípios e regras,

Função e Aplicação dos Princípios no Ordenamento jurídico

DEFINIÇÃO

Toda e qualquer forma de manifestação do intelecto humano, consubstanciada em uma Ciência, pressupõe a existência, em maior ou menor nível, de determinados princípios que balizam e conferem coerência a este ramo do conhecimento1.

Conquanto importa-nos primordialmente a Ciência do Direito, de plano podemos afirmar que os princípios, nesta seara, são de fundamental e inafastável importância, a ponto da doutrina afirmar que “nenhuma instituição vive sem os princípios e o direito, especificamente, porquanto seus princípios jurídicos são seus próprios fundamentos”2.

Os princípios constituem a base fundamental de qualquer sistema jurídico, devendo ser observados em todos os momentos, seja durante a gênese das regras jurídicas, sua hermenêutica, interpretação3 e aplicação.

Definir seu conceito, contudo, não é tarefa simples, sendo certo que a ciência jurídica, não obstante buscar a univocidade em sua terminologia, convive com um sem-número de palavras polissêmicas4, assim entendidas aquelas palavras que variam de sentido5, dentre as quais se inclui o termo “princípio”.

1José Cretela Neto afirma nesse mesmo sentido que “Toda e qualquer ciência está alicerçada em princípios, que são proposições básicas, fundamentais e típicas, as quais condicionam as estruturações e desenvolvimentos subseqüentes dessa ciência”. (CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.5)

2 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil: o poder de criatividade do juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 18.

3 Carlos Maximiliano faz a distinção entre a hermenêutica, que constitui o nível abstrato dos enunciados jurídicos e a interpretação, que é voltada para a aplicação no caso concreto e representa a aplicação da hermenêutica. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.1)

4 DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de português jurídico. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 51.

5 MICHAELIS, Dicionário. Versão Online.

Disponível em http://michaelis.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues- portugues&palavra=polissemia. Acesso em 16.ago.2008

Tanto é assim que inúmeros doutrinadores há muito vem se debruçando sobre o tema, não só na seara do Direito, mas de todas as ciências, sem, contudo, convergirem a uma conceituação objetiva.

Partindo-se de uma análise etimológica, encontra-se que a palavra “princípio” tem sua raiz no latim, de “principium”6, expressando o sentido de início, gênese, começo, base, origem de algo.

Cabe-nos, contudo, analisar não o sentido vulgar da palavra, mas sim contextualiza-la sob um enfoque jurídico. Para tanto, utilizamo-nos das lições de Miguel Reale, que ensina que:

“Restringindo-nos ao aspecto lógico da questão, podemos dizer que os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis”7

Maria Helena Diniz, nesta mesma esteira, apresenta a seguinte definição do significado dos princípios:

“são cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico”8.

Citemos, ainda, a tradicional definição elaborada por Celso Antônio Bandeira de Melo, para quem:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe dá sentido harmônico” 9.

6 CARAZZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário.16.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 30.

7 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p.112

8 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 125.

9 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 450-451.

O Direito carece de objetividade científica, exatidão terminológica e, por mais analítico que possa se mostrar, sempre possui lacunas. Os princípios, como se pode inferir, conferem ao Direito, tomado como Ciência, um mínimo de coerência sistêmica, garantindo sua aplicabilidade e lógica interna, constituindo, por isso, suas bases fundamentais, de observância obrigatória.

Natureza Jurídica - Distinção entre normas, princípios e regras.

Embora os termos “normas”, “regras” e “princípios” sejam inúmeras vezes tomados indistintamente, é tecnicamente relevante distingui-los, até porque, como cediço, inexiste a sinonímia perfeita.

Anote-se, desde logo, que a doutrina não possui consenso acerca da referida diferenciação.

Tomemos por base as lições de Margarida Beladiez Rojo que afirma remanescer a indagação sobre serem os princípios normas jurídicas ou não. Destaca a referida autora que, majoritariamente, na Espanha, os doutrinadores os consideram norma jurídica, porque são vinculantes. Porém, no Direito Comparado, há a tese minoritária dos que entendem que princípio e norma são fenômenos distintos, em razão do grau de abstração dos princípios. E uma terceira posição é a de que somente existem os princípios jurídicos e são vinculantes se estiverem previamente positivados por uma norma ou pela jurisprudência10.

José Afonso da Silva, por exemplo, esposa a tese de que os princípios diferem das normas, sendo os primeiros ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas11

Parece-nos mais acertada, contudo, a tese de que os princípios efetivamente são normas, como, aliás, é o pensamento de Luiz Flavio Gomes, ao afirmar que:

“o Direito se expressa por meio de normas. As normas se exprimem por meio de regras ou princípios”12

10 ROJO, Margaria Beladiez, apud GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.18

11 AFONSO DA SILVA, José, apud FERNANDES GÓES, Gisele Santos. Princípio da Proporcionalidade no Processo Civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.18

Tais conclusões doutrinárias, contudo, são decorrentes de longa evolução, apontando Paulo Bonavides que a evolução da juridicidade dos princípios possui três fases distintas, a jusnaturalista, em que os princípios estavam numa fase de total abstração e a normatividade era nula; a positivista, em que os princípios foram introduzidos nos Códigos como fonte normativa subsidiária; e a pós-positivista, em que os princípios tem acentuada dimensão axiológica superior e são coroados no topo do sistema normativo.13

Norberto Bobbio afirma, nessa esteira, que:

os princípios gerais são, apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalissimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se princípios são normas. Para mim não há dúvida: os princípios são normas como todas as outras. 14

Não se pode olvidar, outrossim, que o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil expressamente estabelece que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”15

Conclui a doutrina, nesse sentido, que “se os princípios gerais são fontes de onde promana o direito, inquestionavelmente são normas”16

Fixado tal entendimento, importa-nos distinguir os princípios das regras, ambos espécie do gênero normas.

Destacam-se, neste mister, os ensinamentos de J.J. Canotilho, sintetizados por Delosmar Mendonça Filho17, que aponta cinco critérios para a

12 GOMES, Luiz Flávio. Normas, regras e princípios: conceitos e distinções. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005.

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7527>. Acesso em: 22 nov. 2007.

13 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 259

14 BOBBIO, Norberto, apud MENDONÇA JUNIOR, Delosmar. Princípios da Ampla Defesa e da Efetividade no Processo Civil Brasileiro. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.13

15 Carlos Henrique Bezerra Leite (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho: de acordo com os programas dos concursos para Procurador e Juiz do Trabalho. 4.ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 50) faz interessante comentário acerca do art.4 da LICC, que segundo ele encontra-se superado no que tange à colocação dos princípios gerais na posição de meras fontes subsidiárias nas hipóteses de lacuna no sistema, uma vez que os princípios, na nova ordem constitucional, são fontes primárias do direito.

16 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 22

17 CANOTILHO apud MENDONÇA JUNIOR, Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.13

diferenciação ora buscada, quais sejam o grau de abstração (os princípios possuem elevado grau de abstração em relação às regras); grau de determinabilidade (as regras são aplicadas diretamente, ao passo que os princípios dependem de atividade cognitiva do juiz ou legislador) caráter de fundamentalidade (os princípios são elementos estruturantes no sistema jurídico, enquanto as regras neles se apoiam); proximidade da idéia de direito (os princípios estão ligados a idéia de justiça e direito, em razão do seu teor axiológico enquanto as regras tem conteúdo meramente funcional; natureza normogenética.

Clássicos também são os estudos de Ronald Dworkin e Robert Alexy sobre o tema. A teoria de Dworkin, conforme acentua Gisele Santos Fernades Góes18 parte da idéia de que as regras são aplicadas na modalidade de disjuntivas, ou são validas ou não são, ingressam no tudo ou nada (all or nothing) e em caso de colisão entre regras, uma necessariamente será excluída do ordenamento. Já com os princípios tal invalidação não ocorre, havendo apenas sobreposição do princípio mais adequado ao menos adequado ao caso.

Já em Robert Alexy, segundo as lições de Carlos Henrique Bezerra Leite19 temos um aprofundamento das idéias de Dworkin, enfatizando o autor o aspecto deontológico dos princípios, concluindo que, tanto as regras como os princípios são normas porque ambos dizem o que deve ser. Arremata dizendo que, os princípios, assim com as regras, são razão para juízos concretos do dever ser, sendo a distinção entre regras e princípios uma distinção entre dois tipos de normas.

Função e Aplicação dos Princípios no Ordenamento jurídico

18 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 30

19 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho: de acordo com os programas dos concursos para Procurador e Juiz do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 48

Seguindo as lições de Carlos Henrique Bezerra Leite20, podemos afirmar que os princípios exercem três funções básicas, quais sejam função informativa, função interpretativa e função normativa.

A primeira função, qual seja a informativa, se revela na atividade legislativa, determinando as diretrizes a serem seguidas na criação das regras jurídicas, “impondo sugestões para a adoção de fórmulas novas ou de regras jurídicas mais atualizadas”.21

Já as funções interpretativa e normativa destinam-se ao operador do direito. A interpretativa representa a atuação dos princípios na compreensão do significado e sentido das normas existentes no ordenamento A normativa, ainda segundo Bezerra Leite, “decorre da constatação de que os princípios podem ser aplicados tanto de forma direta, na solução dos casos concretos mediante derrogação de uma norma por um princípio, quanto de forma indireta, por meio da integração do sistema nas hipóteses de lacuna”.

1.4.1. Princípios Constitucionais e Princípios Infraconstitucionais

Os princípios podem ser classificados, conforme estejam presentes no ordenamento constitucional ou no ordenamento infraconstitucional.

George Salomão Leite, corroborando este entendimento, ensina que “os princípios, quando positivados em normas supremas, de natureza constitucional, podem ser definidos como princípios constitucionais” 22

20 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho: de acordo com os programas dos concursos para Procurador e Juiz do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 49

21 DELGADO, José Augusto apud MENDONÇA JUNIOR, Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p..15. Note-se que o autor propõe uma classificação dúplice da função dos princípios, dividindo-os entre os que exercem função ordenadora (diretrizes para a fixação de critérios para a interpretação do direito) e os que exercem função prospectiva, relacionando-se estes últimos, na classificação tríplice de Carlos Henrique Bezerra Leite, aos princípios com função informativa.

22 LEITE, George Salomão. Dos princípios constitucionais. Organizador: George Salomão Leite: considerações em torno das normas principiológicas da constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p.30

Dentre os princípios constitucionais, quais sejam aqueles presentes implícita ou explicitamente na Constituição, temos, dentre outros, o princípio da legalidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica, etc.

Já os princípios infraconstitucionais são inúmeros. Isto porque, com efeito, o ordenamento jurídico é constituído por vários subsistemas, possuindo cada um deles princípios gerais e especiais.

André Ramos Tavares dissertando sobre os princípios infraconstitucionais afirma que:

Todas as leis, decretos e atos normativos de qualquer índole devem obediência e acatamento aos mais altos padrões normativos – ou seja, aos princípios constitucionais. Assim ocorre, pois com todos os denominados “ramos do direito, seja o direito penal, o civil, o trabalhista, previdenciário, processual ou qualquer outros. Nestes é que estariam albergados os princípios infraconstitucionais, ou seja, princípios integrantes do sistema jurídico pátrio que, no entanto, concernem apenas aos denominados subsistemas ou ramificações “estrutural-normativas” do direito positivo.

Diz-se “infraconstitucionais” não só porque estes princípios não são estatuídos na Constituição, mas também porque não se configuram senão como próprios de determinados setores do Direito, aos quais se restringe sua aplicação. 23

1.4.2. Princípios Explícitos e Implícitos

Como acentua Delosmar Mendonça Junior, “as normas-princípio podem estar inseridas em textos legais ou se encontrar de maneira implícita, sendo retiradas da visão total do ordenamento24”

A mesma lição traz Luiz Roberto Barroso ao afirmar que “em todo ordenamento jurídico existem diversos princípios não-escritos que permeiam a atuação dos órgãos públicos e inspiram as decisões judiciais”25

23 TAVARES, André Ramos. Dos princípios constitucionais Organizador: George Salomão Leite: considerações em torno das normas principiológicas da constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p.65

24 MENDONÇA JUNIOR, Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.17

25 BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 7. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.130

Os princípios implícitos são hoje dotados de indiscutível validade, devendo ser, tanto quanto os explícitos, observados como parte indissociável

Dr. Paulo André Pedrosa - Advogado do escritório Battaglia & Kipman

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